India - Diário de Bordo VIII

A janela intemporal da India estava a fechar-se para nós, mas ainda nos esperava um pote de sensações que estavam mortinhas para saltarem cá para fora, e o protagonista e responsável por abrir a tampa do baú foi o nosso bem-aventurado Amrik Singh.

Amrik foi o nosso Guru por toda esta jornada, ele, na sua gigantesca simplicidade, foi o homem que bateu aos pontos todo e qualquer guia nos tentou mostrar a sabedoria e conhecimento sobre o mundo mágico indiano, Amrik, foi o Homem que nos mostrou alguns cantinhos da verdadeira Índia ainda por descobrir e longe dos olhares curiosos dos turistas.

Amrik tinha a surpresa final, este Sikh que enverga belos turbantes coloridos e com olhos de quem já viveu este mundo e o outro, adoptou-nos, fomos a sua família durante uma breve temporada, e neste tempo fugidio, convidou-nos a sonhar e também a emocionar com tudo o que a Índia tinha de bom e horrível. Durante dias fomos enganando as lágrimas, ajudados pelos sabores das comidas pelas cores dos tecidos e pela magnificência dos templos e palácios.

Amrik, queria fechar a porta desta viagem com chave de ouro e se assim o prometeu melhor o fez…”despiu”o seu fato de motorista e colocou o turbante de guia amigo e levou-nos ao seu local mais puro, mais íntimo, mais importante….o templo Sikh em Delhi.

"Sikh" significa "disciplina". Ao contrário do hinduísmo, para os Sikhs não existem castas, todos os homens desfrutam da mesma condição.

Amrik, fez questão de nos levar ao coração do templo, onde diariamente se fazem 20 mil refeições diárias que matam a fome a muitos indianos de uma capital repleta de milhões e milhões que todos os dias tentam sobreviver de forma inacreditável.

“As Histórias da Vida", escrito 80 anos após a morte de Nanak, o fundador da religião (cuja origem é remontada à Índia do século XV) é o mote que faz mover a vida dos Sikhs, para eles não existe fronteiras e limites para praticar o bem.

Os cantigos são entoados no templo e nós sentados nos seu interior, junto com centenas deles, deixamo-nos levar pela ladainha que nos trai e nos faz cair num mar de lágrimas. A emoção chega finalmente ao seu auge e eu choro, choro por todos os dias que enganei os sentimentos, por toda a vez que as lágrimas me bateram à porta e eu não quis abrir.

Amrik, viu o meu mar de lágrimas e sem um único som, olhou para mim, sorriu e deu-me um abraço. Amrik conduziu-nos de seguida ao coração do templo Sikh, e quando demos por nós estávamos no meio de dezenas e dezenas de voluntários que meticulosamente confeccionavam comida naquela cozinha gigante, aquele local é, para Amrik Singh, o ponto mais importante daquele templo de cúpulas de ouro, aquele é o local onde se mata a fome a 20.000 pessoas diariamente, que esperam ordeiramente que chegue a sua vez. Ali uma vez por dia são tratados como gente normal e merecedora de afecto e de respeito.

De forma organizada, os voluntários colocam os tabuleiros com a comida que vão sendo recolhidos de forma serena, sai um grupo, e antes que entre o próximo, os voluntários arrumam e limpam a sala para que o próximo grupo seja recebido de forma digna. E assim, por ali passam uma pequena multidão, todos os dias, e assim se prova e comprova que quando queremos, não existe limite para o bem.

As lágrimas continuaram a cair-me pela face, e Amrik cheio de tranquilidade e paz, continuava a liderar a nossa visita ao templo sikh, e ao mesmo tempo continuava a dar-nos uma lição de vida.

Os Sikhs acreditam que Deus é um só, sem forma, eterno, presente em todos lugares, visível para qualquer um que tenha interesse em vê-lo e essencialmente cheio de graça e compaixão.

Guru Nanak assegurava que a salvação dependia da aceitação da natureza de Deus. Se o homem reconhece a verdadeira harmonia da ordem divina (hukam) e viesse para dentro desta harmonia ele seria salvo. Os Sikhs rejeitam a crença hindu, que afirma que a harmonia pode ser alcançada por práticas ascéticas. O Sikhismo enfatiza três acções: meditação om e a repetição do nome de deus (nam), doação ou caridade (dan) e banhar-se (isnan).

É esta multivariedade de crenças e formas de ver o mundo, que tornam também a Índia no mundo à parte, num mundo onde a alegria e a tristeza andam de mãos dadas, e as lágrimas que soltei naquele templo, serviram também como catarse de muitas tristezas, minhas, ali chorei por aqueles que já partiram, e por todos os meus medos e angústias e de como somos tão mesquinhos e ignorantes quando achamos que a nossa vida vai torta.

O dia estava lindo, e agora, de alma vazia e purificada, rumámos ao mercado das especiarias, a última surpresa que Amrik tinha para nós, porque, para ele, sair da Índia com saquinhos de especiarias feitos para turista era coisa que nós não merecíamos. Agora já fora da paz do templo voltámos a encontrar o caos da cidade, mas esse já nos incomoda, nós já fazíamos parte daquela urbe tão caótica, tão suja, mas ao mesmo tempo tão encantadora e misteriosa

Obrigado Índia
Até sempre Amrik Singh

22 comentários:

Anónimo disse...

Com tanto tempo de espera só podia sair algo de EXCEPCIONAL!!

Adorei ler e conhecer. A India essa multiplicidade de gentes, tem para mim uma carga positiva que me atrai e outra negativa que me afasta, precisamente os estigmas sociais que de uma forma ou outra culminam em castas e outras coisas mais.

Por vezes temos a SORTE de poder contar com alguém que nos mostra todos os lados de uma mesma realidade. Só assim podemos apreciar o seu todo e agradecer por dele podermos fazer parte.

Extraordinário o "teu" Amrik Singh!!!

Adorei!!

Beijo

Alien8 disse...

Mocho Falante,

Viveste, evidentemente, uma experiência inesquecível, e soubeste transmiti-la muito bem.

Tiveste muita, muita sorte por encontrares o guia e amigo Amrik. Não há, em parte nenhuma, muitos como ele.

Pena é que Sikhs e Hindus não se entendam, se odeiem e se massacrem uns aos outros de quando em vez - mesmo que sejam apenas os radicais, os fundamentalistas como os que existem em todas as crenças...

Adorei o post! Foi um excelente regresso.

Um abraço.

Sérgio Pontes disse...

As fotos são fabulosas, deve ter sido uma viagem mesmo muito gira!

Abraço

C Valente disse...

Bom texto assim como imagens
Saudações amigas

APO (Bem-Trapilho) disse...

pois mocho, na semana passada até fui logo jogar no euromilhoes, que nao é habito cá por casa, mas não saiu nada de nada. mas na proxima vais ver, é para mim! :) para a casa de sonho se tornar realidade! :)
bjos

Benó disse...

Quero agradecer a visita do mocho ao meu jardim.
Depois, agradecer também, a descrição, pormenorisada,da viagem à Índia.É um país que não me atrai mas gostei de ler os teus relatos.
Uma boa semana.

tulipa disse...

OLÁ AMIGO

Há muito que não te visito...

Neste momento estou a ver Varanasi, com o rio Ganges, na nossa querida Índia, na telenovela "Caminho das Índias", fico deliciada a recordar cada lugar onde estive há pouco tempo, ainda está tudo muito fresco na minha memória.

Também tive um Guru em todo o percurso, que acompanhou o nosso grupo. Coincidência ou não, também ele era Sikh.
Também ele nos mostrou alguns cantinhos da verdadeira Índia...
não tanto como o teu guia, mas foi muito simpático e acolhedor connosco.
Seu nome era "Sono" e envergava belos turbantes coloridos.

Boa semana para ti.Beijos.

wind disse...

Emocionante o teu relato.
Tiveste sorte no guia/amigo:)
Ainda bem que "limpaste a alma":)
Beijos

turbolenta disse...

Guias como esse que tiveste a sorte de encontrar são raros. Gostam mais de mostrar a face boa das coisas e os locais mais "visitáveis" para quem vai de fora.
Mas , sem dúvida nenhuma, que esse Sikh deve ser uma pessoa excepcional,humilde, sincera, uma pessoa de trato fácil que vale a pena cruzar-se no nosso caminho, pois proporciona-nos "conhecimentos" tão profundos e sensações tão marcantes, que, por muitos anos que vivamos nunca o vamos esquecer.
E, claro que te ficou um desejo profundo de o voltar a encontrar e partir para novas descobertas, sempre guiado por ele, pois, há muito na Índia para conhecer.
Não vale a pena dizer o quanto gostei deste relato e quanto ele me sensibilizou.
E ainda há quem diga que não gosta de viajar.
Não acredito nessa teoria.
boa semana
abraços.

Titá disse...

Obrigada Mocho!
Obrigada por este relato que nos transportou até à India e nos trouxe uma visão sensivel e atenta deste país cheio de dualidades.

Beijo

Ti Coelha disse...

Fantástica esta viagem! Obrigada por partilhares!

beijocas.

Maré Viva disse...

Dizer-te obrigada, é pouco.Fizeste-me viajar contigo por esse país misterioso e belo, mas onde o reverso da medalha está por toda a parte. Foi deveras um relato perfeito, belíssimamente documentado por imagens. E este último, além de elucidativo, foi muito tocante, não chorei copiosamente, mas também deixei rolar umas lágrimas pela força da tua descrição, (sou muito chorona...).
Se um dia lá for, vou pedir-te que me dês o endereço do Amrik Singh...tenho a certeza que ficarei mais rica quando o conhecer.
Um abraço amigo.

Madeira Inside disse...

Que viagem!
Fotos fantásticas! AMei a primeira! Muito bem apanhada! :)))) Beijinho Mochito

Lu.a disse...

Excepcional, once again! :)

Ulisses Martins disse...

Magnificos relatos. Grande viagem. Bela musica.
Abraços

Ka disse...

Belíssima partilha da tua viagem :)

E por vezes temos sorte de nos cruzar com pessoas assim não é? Seria bom se Amrik lesse isto se bem que sendo como tu és, um coração aberto, com toda a certeza que ele sentiu a vossa gratidão!

Beijoca e um excelente fim-de-semana

Anónimo disse...

Excelente diario de bordo, Mocho!
Por favor não deixes de partilhar as tuas aventuras.
Um grade abraço,
SF

mjf disse...

Olá!
Adorei ler estes posts!
Excelentes relatos, que nos transportam para o local, e até os cheiros sentimos ;=))
Obrigada

Beijocas
Bom fim de semana

Tiago Taron disse...

Mocho. bela surpresa é este blog que passa directo para as minhas visitas diárias, também por causa do Enaudi. Este último post é comovente, da família das comoções de que gosto, simples, humanas, universais ("não fechar as portas às lágrimas", vai ficar, já ficou.

Isabel Filipe disse...

olá Mocho ...

já pus a leitura em dia sobre este teu ultimo Diário de Bordo. Deve ter sido fascinante esta viagem.

Olha não deixes de ir ver o filme "Quem quer ser Bilionário" ... mostra imenso da vida na India ...


beijinhos

Teresa Durães disse...

uma realidade tão diferente...

Anónimo disse...

ola Mocho!
quantos dias foram de vaigem? foi organizada por uma agencia de vaigens? Como conseguiste o guia?
Eu estou a imenso tempo a ganhar coragem para visitar a India, pois sei que vou ver situacoes chocantes, mas prometi a mim mesma que tenho que la ir. Diz por favor como foi que organizaste esta viagem, e se e dificil ir sozinha.
Obgd.
CN

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