A janela intemporal da India estava a fechar-se para nós, mas ainda nos esperava um pote de sensações que estavam mortinhas para saltarem cá para fora, e o protagonista e responsável por abrir a tampa do baú foi o nosso bem-aventurado
Amrik Singh.
Amrik foi o nosso Guru por toda esta jornada, ele, na sua gigantesca simplicidade, foi o homem que bateu aos pontos todo e qualquer guia nos tentou mostrar a sabedoria e conhecimento sobre o mundo mágico indiano,
Amrik, foi o Homem que nos mostrou alguns cantinhos da verdadeira Índia ainda por descobrir e longe dos olhares curiosos dos turistas.
Amrik tinha a surpresa final, este Sikh que enverga belos turbantes coloridos e com olhos de quem já viveu este mundo e o outro, adoptou-nos, fomos a sua família durante uma breve temporada, e neste tempo fugidio, convidou-nos a sonhar e também a emocionar com tudo o que a Índia tinha de bom e horrível. Durante dias fomos enganando as lágrimas, ajudados pelos sabores das comidas pelas cores dos tecidos e pela magnificência dos templos e palácios.
Amrik, queria fechar a porta desta viagem com chave de ouro e se assim o prometeu melhor o fez…”despiu”o seu fato de motorista e colocou o turbante de guia amigo e levou-nos ao seu local mais puro, mais íntimo, mais importante….o templo Sikh em Delhi.
"Sikh" significa "disciplina". Ao contrário do hinduísmo, para os Sikhs não existem castas, todos os homens desfrutam da mesma condição.
Amrik, fez questão de nos levar ao coração do templo, onde diariamente se fazem 20 mil refeições diárias que matam a fome a muitos indianos de uma capital repleta de milhões e milhões que todos os dias tentam sobreviver de forma inacreditável.
“As Histórias da Vida", escrito 80 anos após a morte de Nanak, o fundador da religião (cuja origem é remontada à Índia do século XV) é o mote que faz mover a vida dos Sikhs, para eles não existe fronteiras e limites para praticar o bem.
Os cantigos são entoados no templo e nós sentados nos seu interior, junto com centenas deles, deixamo-nos levar pela ladainha que nos trai e nos faz cair num mar de lágrimas. A emoção chega finalmente ao seu auge e eu choro, choro por todos os dias que enganei os sentimentos, por toda a vez que as lágrimas me bateram à porta e eu não quis abrir.
Amrik, viu o meu mar de lágrimas e sem um único som, olhou para mim, sorriu e deu-me um abraço.
Amrik conduziu-nos de seguida ao coração do templo Sikh, e quando demos por nós estávamos no meio de dezenas e dezenas de voluntários que meticulosamente confeccionavam comida naquela cozinha gigante, aquele local é, para
Amrik Singh, o ponto mais importante daquele templo de cúpulas de ouro, aquele é o local onde se mata a fome a 20.000 pessoas diariamente, que esperam ordeiramente que chegue a sua vez. Ali uma vez por dia são tratados como gente normal e merecedora de afecto e de respeito.
De forma organizada, os voluntários colocam os tabuleiros com a comida que vão sendo recolhidos de forma serena, sai um grupo, e antes que entre o próximo, os voluntários arrumam e limpam a sala para que o próximo grupo seja recebido de forma digna. E assim, por ali passam uma pequena multidão, todos os dias, e assim se prova e comprova que quando queremos, não existe limite para o bem.
As lágrimas continuaram a cair-me pela face, e
Amrik cheio de tranquilidade e paz, continuava a liderar a nossa visita ao templo sikh, e ao mesmo tempo continuava a dar-nos uma lição de vida.
Os Sikhs acreditam que Deus é um só, sem forma, eterno, presente em todos lugares, visível para qualquer um que tenha interesse em vê-lo e essencialmente cheio de graça e compaixão.
Guru Nanak assegurava que a salvação dependia da aceitação da natureza de Deus. Se o homem reconhece a verdadeira harmonia da ordem divina (hukam) e viesse para dentro desta harmonia ele seria salvo. Os Sikhs rejeitam a crença hindu, que afirma que a harmonia pode ser alcançada por práticas ascéticas. O Sikhismo enfatiza três acções: meditação om e a repetição do nome de deus (nam), doação ou caridade (dan) e banhar-se (isnan).
É esta multivariedade de crenças e formas de ver o mundo, que tornam também a Índia no mundo à parte, num mundo onde a alegria e a tristeza andam de mãos dadas, e as lágrimas que soltei naquele templo, serviram também como catarse de muitas tristezas, minhas, ali chorei por aqueles que já partiram, e por todos os meus medos e angústias e de como somos tão mesquinhos e ignorantes quando achamos que a nossa vida vai torta.
O dia estava lindo, e agora, de alma vazia e purificada, rumámos ao mercado das especiarias, a última surpresa que
Amrik tinha para nós, porque, para ele, sair da Índia com saquinhos de especiarias feitos para turista era coisa que nós não merecíamos. Agora já fora da paz do templo voltámos a encontrar o caos da cidade, mas esse já nos incomoda, nós já fazíamos parte daquela urbe tão caótica, tão suja, mas ao mesmo tempo tão encantadora e misteriosa
Obrigado Índia
Até sempre Amrik Singh